domingo, 29 de junho de 2008

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Um cometa pode viajar anos luz sem trombar num resto qualquer de explosão. Entretanto se pudesse contemplaria todas as faíscas ao seu redor em sua extensa viajem. Ouso uma comparação com a vida. Posso viajar “anos luz” sem trombar com a morte, mas o diferente é que posso contemplar todas as faíscas. E por isto tento a todo custo aproximar-me delas, ou seja, busco trombar com a morte. Com a morte não se o que contemplo se trata de outra vida, outra existência consciente. Ela também busca a aproximação. Falo, mas as palavras estão em mim. O que os outros veem ou ouvem disto é apenas uma poeira envelhecida em um móvel destruído pelo cupim. E tudo brilha para ser lembrado. O homem ao descobrir o fogo e a tocha, buscava iluminar o rosto do outro, não o próprio. Talvez buscasse algo semelhante, a fim de anular sua solidão na busca, e via apenas luz. Constante e silenciosa, soberba e envelhecida como o meu desejo de trombar para sentir. Avanço outro ano e as faíscas continuam lá. As estrelas que realmente contemplo nunca se apagarão; estarão acesas ainda que em minha memória no rio vácuo da saudade. Navego nele, como os cometas, nunca aporto, como os navios fantasmas, mas chego em mim. Encontro-me na busca pelo não-eu, e de lá saio solitário como lá entrei. Percebo, não obstante, estupefato e intrigado, que eu preencho o mundo, embora seja vazio. E ele ao mesmo tempo me preenche com o que nele coloco, num fluir mútuo nos ocos silenciosos da minha solidão. Eu viajo em mim. Sabe qual o momento que eu me encontro com o outro? Quando ele se encontra em mim e apenas se ele fizer barulho, não adianta apenas brilhar.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

IDA

Quero escrever a minha história
Com meu sangue, com meu punho
Que eu me zangue neste cunho,
Mas que eu tenha a vitória

E a escória desta medíocre vida
Embaraça ainda mais a minha ida
Alegrias e tristezas desta lida
São pessoas como Tu e como Eu

Tu no silêncio magno teu
Eu no meu lirismo inebriante
Tu, no sorriso inserto
Nos lábios de silêncio marcante

Envolves-me num concerto, conserto
A alma de um triste viajante
Doravante eu aceito a minha lida
Com sangue suor e ferida

E recolho os cacos espalhados pela estrada
Espelhados pelo sangue vertido
Declaro: teu silêncio é tudo e mais nada
E deixo os versos de um triste poetóide ido.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

As Estrelas


O pêndulo do relógio do céu tem apenas duas extremidades no seu repetido movimento zilenar; a extremidade clara e a escura...

Faz quatro dias que começou o inverno e o frio chegou um pouco antes nas sombras do outono. Ainda ao meio-dia sente-se o calor insuportável, mas basta o retiro de um teto de concreto para a gelidez chegar pelas mãos. Elas quase paralisam, mas insistem em escrever, depois de toda a tarde diante do computador; a alma fora supostamente. Mas a noite quase chega pela janela e eu as cumprimento em segredo. Todo o stress das oito horas diárias de trabalho, os seis ônibus, as grosserias do cobrador, o constrangimento resignado com o incômodo que causo a todos com o cheiro do cigarro, dissipam-se ao contemplá-las. Quando descobri a encontrar o Cruzeiro do Sul no céu, foi como um segredo que elas me contaram. Lembro-me da impaciência comigo ao apontarem os braços frenéticos para onde ele deveria estar, mas eu não via, perdia-me na imensidão de sua cintilação. Então um dia eu enxerguei acidentalmente essa cruz no sul da terra, e não do céu; era outono de ipês de aura marrom, como este nesta cidade a céu aberto, e timidamente as nuvens se retiraram por completo, limpando-o para que sua negrura me desolasse. Estive perdido por horas certificando-me que de que se tratava da cruz certa; e tive certeza.
Quando me disseram que as estrelas viviam tantos anos quantos eu não pudesse contar e eram tantas quanto pudesse haver tempo e, apesar disto ou por isto, todos os dias alguma se apagava sem que eu pudesse saber qual era, me desesperei, procurei inutilmente alguma que tivesse a luz esmaecida na intenção de vê-la morrer, para sentir-me mais velho que ela. Não as invejo porque se eu fosse uma delas e tivesse alguma consciência de si, não seria, em seus bilênios de areia, possível contemplá-las como faço. Contemplo-as e aos homens, se brilhasse em um badalar contínuo de patas de grilos, não me importaria com os homens, nem os perceberia. Então não me perceberia, não seria eu sendo uma estrela. Um eu estrela. Não seria porque teria tempo apenas para brilhar e explodir e brilhar e explodir, atravessando os séculos dos séculos até chegar no céu. Embora as vejamos, se tem um lugar onde as estrelas não estão é no céu. Elas estão tão longe que lá já não é céu, mas imensidão e saudade.
Pensei por muito tempo que apenas eu sabia a localização exata da cruz. Desiludi-me quando descobri que, embora os dedos apontassem aparentemente para lugares diferentes, as estrelas eram tão grandes que poderiam estar na reta dos dedos de todas as mãos que quisessem encontrar uma cruz no céu. Desapontei-me profundamente e quis esquecer sua localização. Mas as noites deste inverno de céu claro e desanuviado estampam suas quatro pontas e não há lente para os olhos; apenas o Sol pode ofuscá-las ligeiramente enquanto pende para o Norte o seu curso a fim de veranear ou ocultar outras cruzes.

terça-feira, 24 de junho de 2008

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O pêndulo do relógio do céu tem apenas duas extremidades no seu repetido movimento zilenar; a extremidade clara e a escura...

domingo, 22 de junho de 2008

do mesmo baú...

Fria boca quente


Tua mão, teu coração
Meu sonho, paixão
Tua mão quente
Teu riso frio
Nos olhos rio
Nos lábios sente

O tão demente
Que chora um rio
Do riso frio
Da boca quente

Que ao vento esfria
A poesia
O amor, o rio...

E a boca sente
A boca quente
Tua mão fria

Utopia em construção

Um exercício importante para o escritor, e falo das recomendações de Márquez no prefácio de Doze contos peregrinos, é jogar algumas coisas no lixo. Nunca fiz isto. Por mais que tenha certeza de que algumas produções nunca serão lidas, porque as esconderei para sempre, elas são segredos meus. Rio comigo mesmo de algumas coisas que já escrevi, às vezes o riso desesperador; eu posso saber o quanto sou ruim, para as outras pessoas eu simulo com algumas linhas que me agradam. Quase sempre incorro no erro de pensar que pelo menos dois dos meus amigos (pouquíssimos) vão compartilhar da minha alegria por um verso, e um apenas se interessa por outro. O que estava riscado à caneta no original datilografado. Por um instante penso em desobedecer a recomendação do mestre, e lembro de outro mestre hispano-americano que chama de filhos os escritos. Concordo com Julio Cortázar, e por isso sempre mostro alguma coisa resgatada do fundo do baú, afinal sempre se exibem os filhos, os feios ou não.
Concorri com este poema num prêmio de poesia do Sesc tem uns três ou quatro anos. Só sei que se fui classificado, foi depois do trigésimo. Felizmente para nossa quase "satisfação", um dos meus amigos participantes do concurso ganhou o trigésimo. Com isso teve direito a alguns exemplares da publicação. Que inveja! Por esse motivo este poema não virou cinzas, eles, enquanto escolhíamos os poemas, concordaram que "Utopia em construção" merecia participar do concurso. Essa deve ter sido uma das trinta vezes que três pessoas concordaram sobre um de meus poemas.


Utopia em construção

Sou na noite calada(o) quando quero falar
‘Stou no vazio da noite e quero calar
quero mar e versos confusos, sentimentos difusos
nas brumas, efusões, confusões e parafusos


Brasília, merencório sou teu na madrugada
Deixa-me voar em tua noite alada
Silenciosamente choro, só seu céu me vê
Sonho em teus prédios, minha crê

Minh’alma g(j)ê geme leme a oeste
Trezentos e sessenta graus
Você tão bela, sem mar e sem naus
Sem par no tempo espaço, triste como eu

Seu milagre em cinco anos deu(?)!
Feliz cidade para cinco eternidades
Para me matar você valeu!
E para todos os homens de verdade

Que em tuas cidades sofismam
E em tuas catedrais “carismam”
Nas cátedras abismam abissal
A realidade de ser pobre e ser mau


Ou ser negro, pelego, real
Sou autêntico para ti minha cidade
Você que só me fez o mal
Você que diz ser o Brasil emergente de verdade!


Cala, cidade, cala feliz cidade feliz
Lança meu choro em teu entulho
Lança, ninguém me ouvirá, há barulho
Lança por teu orgulho.


Lanço-me num show na Esplanada dos Ministérios
Quero tua noite, quero teus mistérios
‘Stou aqui, cansado de você
sonho em teus prédios, minha alma crê...
,14 de outubro de 2003
O tempo é uma jaula que diminui progressivamente e nos espreme, nos retalha em ínfimos pedaços de estrelas...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Da origem

É uma prece! Uma longa oração aos poderes mais líquidos da poiesis que abrange tudo o que não se abrangeu. O meu destino é de muito trabalho. Isto não é uma faina, não, é apenas um sussurro, um alento fraco e intermitente que solto antes de acordar. "O grande meio-dia". Ele virá, então dormirei como meu mestre sob a árvore mais frondosa, com os frutos mais suculentos, será meu paraíso. Estarei dormindo supostamente, mas as vistas alcançarão de longe o horizonte de onde venho, olharei para trás, sem nenhum remorso de ter sido grande, verei as aves que retornam para suas casas secretas nas montanhas e compartilharei com elas a alegria de sempre olhar de cima. Isto é este blog!