quarta-feira, 25 de junho de 2008

As Estrelas


O pêndulo do relógio do céu tem apenas duas extremidades no seu repetido movimento zilenar; a extremidade clara e a escura...

Faz quatro dias que começou o inverno e o frio chegou um pouco antes nas sombras do outono. Ainda ao meio-dia sente-se o calor insuportável, mas basta o retiro de um teto de concreto para a gelidez chegar pelas mãos. Elas quase paralisam, mas insistem em escrever, depois de toda a tarde diante do computador; a alma fora supostamente. Mas a noite quase chega pela janela e eu as cumprimento em segredo. Todo o stress das oito horas diárias de trabalho, os seis ônibus, as grosserias do cobrador, o constrangimento resignado com o incômodo que causo a todos com o cheiro do cigarro, dissipam-se ao contemplá-las. Quando descobri a encontrar o Cruzeiro do Sul no céu, foi como um segredo que elas me contaram. Lembro-me da impaciência comigo ao apontarem os braços frenéticos para onde ele deveria estar, mas eu não via, perdia-me na imensidão de sua cintilação. Então um dia eu enxerguei acidentalmente essa cruz no sul da terra, e não do céu; era outono de ipês de aura marrom, como este nesta cidade a céu aberto, e timidamente as nuvens se retiraram por completo, limpando-o para que sua negrura me desolasse. Estive perdido por horas certificando-me que de que se tratava da cruz certa; e tive certeza.
Quando me disseram que as estrelas viviam tantos anos quantos eu não pudesse contar e eram tantas quanto pudesse haver tempo e, apesar disto ou por isto, todos os dias alguma se apagava sem que eu pudesse saber qual era, me desesperei, procurei inutilmente alguma que tivesse a luz esmaecida na intenção de vê-la morrer, para sentir-me mais velho que ela. Não as invejo porque se eu fosse uma delas e tivesse alguma consciência de si, não seria, em seus bilênios de areia, possível contemplá-las como faço. Contemplo-as e aos homens, se brilhasse em um badalar contínuo de patas de grilos, não me importaria com os homens, nem os perceberia. Então não me perceberia, não seria eu sendo uma estrela. Um eu estrela. Não seria porque teria tempo apenas para brilhar e explodir e brilhar e explodir, atravessando os séculos dos séculos até chegar no céu. Embora as vejamos, se tem um lugar onde as estrelas não estão é no céu. Elas estão tão longe que lá já não é céu, mas imensidão e saudade.
Pensei por muito tempo que apenas eu sabia a localização exata da cruz. Desiludi-me quando descobri que, embora os dedos apontassem aparentemente para lugares diferentes, as estrelas eram tão grandes que poderiam estar na reta dos dedos de todas as mãos que quisessem encontrar uma cruz no céu. Desapontei-me profundamente e quis esquecer sua localização. Mas as noites deste inverno de céu claro e desanuviado estampam suas quatro pontas e não há lente para os olhos; apenas o Sol pode ofuscá-las ligeiramente enquanto pende para o Norte o seu curso a fim de veranear ou ocultar outras cruzes.

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