quinta-feira, 27 de novembro de 2008

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Rogo o lapidário do silêncio o talhe na boca do tempo estrepitante do em-si!
Na boca das pedras que ainda clamariam!
E fôssemos surdos ao tilintar dos astros e dos grilos da muda noite aberta...

O eco no pó do frenético tatalar das existências tombadas,
O átomo do pensamento congelado...

A beleza da flor é perfumada
Porque ela ouve o seu silêncio
No úmido interior de suas pétalas invólucro
Ela não ouve o ruído insuportável da existência!
E fôssemos, não a corola de cores vivas ao sol,
Mas as raízes da mesma flor que enfeita o mundo!

Assim nos amaríamos,
Como no sossego dos teus olhos.
Eu te contemplo e me calo
E peço teu silêncio...
A tua boca em sacrifício no júbilo do pó dos crucifixos,
Das paredes, dos peitos e dos templos!
A tua puta e as pétalas do outono
Na fogueira negra do silêncio!
O sal da terra, o teu suor;
As minhocas são minha fantasia!

Eu queria que todas as vozes se calassem!
E só, você me ouvisse.
Se fôssemos indiferentes ao tilintar dos astros
Ao ruído insuportável da existência,
Então seríamos um para o outro
Eu queria que você ouvisse o teu silêncio
E o teu silêncio me dizia que íamos amar...
Eu, no ar, solfejava para mim mesmo
No rabo do cometa que em você atinge Vênus
Maquiada de pó de estrelas e suas eternas sombras.
Eu cavalgo no rabo do cometa sem governo do destino ou do acaso.
No vago perverso dos teus confusos olhos
Onde o nada tem a cor aqui de dentro
Dos olhos cerrados, secos, esturricados.
Vênus grita quando explode e nada faz sentido,
Como antes do primeiro grão de areia atravessar
O estreito beco do tempo.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

“Yo tengo la percepción del filósofo que oyó la música de los astros”

Esta frese aparece em um conto de Rubén Darío, representante e precursor do Modernismo Hispano-americano. Bem, apesar de toda a fantasia, à moda dos contos de fada, do relato, recomendo. O apesar é também porque o que mais me chamou a atenção em dois contos que li, do referido autor, para um trabalho acadêmico foi justamente essa frase, que não se relaciona com o geral do conto. Amei-a assim mesmo. Não sei se tenho tal percepção, mas gostaria. Como é essa música? De silêncio, de puro silêncio eterno. Tento ouvi-la todas as noites, mas caio na imensidão do silêncio que nada no vazio. Essa música quando ouvida, para mim, não passa de um zumbido estranho, um tic tac sem compasso, que pode durar uma noite ou uma vida. Mas é olhando para o céu, tentando ouvir essa música que nos encontramos. Os hispanos e os astros têm uma relação milenar que não conhecemos muito bem, vide os maias e Jorge Drexler na música La edad del cielo. Ontem conversávamos na aula sobre a angústia existencial também presente em uma fase do Modernismo Hispano-americano. Influenciados pelo simbolismo francês, ou pelos franceses de uma maneira quase geral, os modernistas daí gritavam a pergunta que muitos evitam com medo do silêncio. O que é o silêncio do ventre sagrado das mães? É o silêncio de que não nos lembramos, um silêncio negro, como o silêncio da noite. Não nos lembramos nem de tal silêncio nem da dor do nascimento, que deve ser semelhante à dor da morte. A dor de irmos ao desconhecido. Ora, a dor não precisa de linguagem para ser sentida. Digo isto apenas para antecipar uma resposta a um improvável contra-argumento piagetiano, para não parecer idiota ao supor angústia num feto, pois a dor a que sempre me refiro é sinônimo de agonia. Ao mesmo tempo para iniciar o argumento de que a dor angustiante da pergunta que nos fazemos, mesmo inconscientemente, é inerente à vida. A linguagem, a bem da verdade, é uma dor a mais! Pra que tanta dor? Já não bastam as tragédias naturais?! É ou não uma grande sinfonia sem princípio ou fim? É o alfa e o ômega que se pretendeu Deus. É Deus! Por que olhar para tão longe para refletir sobre algo que está também no que não podemos ver, no átomo? Podemos ver os astros? Somos astros, somos oni­, como o quis ser Álvaro de Campos em suas odes, que tento improficuamente imitar. O filósofo na ponta do pelo, o prisioneiro liberto que vê além da sombra, o profeta, o mendigo, eu e as formigas, olhamos para o céu! O céu aqui considerado como tudo o que está acima das nossas cabeças. Não se trata de entender simplesmente, porque isto de nada adiantaria; a vida perderia seu sentido ignorado, que o sentido da vida é ignorar seu sentido para viver. E Deus é o Silêncio!

sábado, 1 de novembro de 2008

Pergunta

Onde está a Verdade de todas as coisas?
Dos átomos, das estrelas , das cores e sentidos
Que fremem num pulsar coruscante,
Constante num tempo de crestas ocas
(Vazios em que o badalar das torres,
Dos ponteiros e dos bits é irrelevante!)?

O Ser de todas as coisas que preexistiram
À eternidade foge-me nas unhas, nos ipês
No medo borgiano de girar sendo eu
E todas as vaidades das Letras,
Das bibliotecas queimadas e por queimar!

Eu consciente sigo a questionar-me onde estará!
Esta vagabunda linguagem, há pouco ignorada,
Soa-me fracamente em imagens etruscas quando oníricas,
Vagalume no fim do túnel da minha pergunta.
Ela não se (me) basta no tempo que conhecemos
Porque apodrece nos livros que nunca lemos.
Onde estará?

Se não está em mim, por que me foi permitido imaginá-la?

Volto aos meus dias de árvores e cabanas
E me pergunto por que não perguntava então!
O Sol era apenas a luz de todos os dias,
Nunca se acabaria...
Hoje me volto a ele como a uma religião
Exterminada pelos europeus no século XV!

Digo loucamente que a pergunta é só minha, pois só a ela tenho!

Verto a cada Sol o sangue de Paulo,
Porque não de Cristo que infelizmente não morreu
Nem ressuscitou!
(Isto porque o queria mudo por mais tempo!)

Se me alegro, talvez, porque o solo levemente crestado pelo Sol,
Pelas quimbas,
Dá-nos um verde intenso,
Depois de cem dias de sequidão na pergunta cerradina!
Porque a flor nunca cessa
Na Terra e no mar de estrelas!
Porque nela descanso daqui a zilhões de anos
É que choro e grito a minha pergunta!
Onde estará?

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Viena

Na faca da tua boca eu me morro e me deleito
Como andorinha na vidraça da igreja a lançar-se.
Essa faca aceira, eu a quero em meu peito
A trazer de minhas entranhas os bofes da catarse!

Ah! boca da abelha vem me da' o seu escarro
Sangra em mim a sua noite, pois é dado
Que a ventura do poeta é coberta de piçarro,
E, então, vem da tua boca o beijo forte, apoucado...

Distanciado estou do seu gume, no horizonte
Onde enerva a insonte frágua da saudade!
Vem por isso anavalhar-me esse corpo de acridade
Na verdura dos meus dias, à beira a bela fonte!

Ah, boca fina de dois gumes, de distância e de saudade
Sangra em mim a tua noite, vem amainar esta ansiedade!
Sou verso penumbrado, errante em monte escarpado
Que busca boca de dois gumes a matar sua veleidade...

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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Então as vagas silenciosas e noturnas de Viena
Levem-nos no embalar de sinos de suas catedrais,
Nos becos dos seus segredos, nas esquinas do seu esquecimento!

Vejamos o Sol nascer de lá!
A vida a escorrer nas ralos inexistentes
Para o mijo sagrado será nosso sorriso,
A imperfeição a rolar em círculos no céu marrom
Repleto de preces esquecidas...

Risos afogados como o nosso
E de todos os outros dos Becos de Viena.

Lá as águas lavarão nossos pés,
Os prédios condenados esconderão a nossa alma...
Lá, Viena, veremos o entardecer!
E a única saudade será Viena!...

domingo, 19 de outubro de 2008

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A verdade não está no livro senão na traça que o corrói...

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As minhas preces rolaram no teto marfim-azul do céu
Como Ismália em busca da alma no véu negro-sombra,
Silêncio das anáguas vermelhas da minguante Lua,
Perdidas no mausoléu infinito das crateras do tempo!

Eu estava lá como uma expectativa,
Entre estrelas e grilos, sussurros e desesperos.

Por que gritar para o Infinito se ele engole
Em seus ocos os ecos da Alma,
Sua prece, minha pergunta?

Por que, se o eterno retorno é mais uma religião secreta
De Nietzsche e muitos outros?

Eu sei até onde foi minha pergunta,
Onde o seu eco se dissipou.

Elas eram como lágrimas num rosto
Envelhecido pelo constante suspeitar!

E rolam até hoje em minha caneta...
Procuramos todos a mesma resposta;
A ela lhe damos um nome só nosso, o nosso.

Olho para o Céu e o Sol vem me atrapalhar
Porque me furta do silêncio da noite,
Do seu crispar.

Eu quero o distante, o longe, o outro!
Em mim, como eu nele, numa troca constante...

O outro está tão distante de mim
Como eu das estrelas.

O Sol não me permite olhá-lo por sua proximidade...
Apesar disto, não ouve minha prece
E me acorda todos os dias...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Eu Vi o Sol Nascer e Morrer Porque Amei

O Sol traz todos os dias um rio Heráclito em fogo,
Dissipa chuva, tempestade e mata o mendigo,
Mata o amigo de outrora, queima os versos escondidos.

Ele gira e não para até que sejamos estáticos na íris cega,
No galho seco, no tronco torto.

Tudo para a vê-lo no âmago do átomo,
Na boca do vulcão, na torre sacrílega medieval,
No tom do horizonte às seis, à hora de morrer!

No asfalto corre uma massa, outro rio
De efêmero orvalho na folha preta do XXI,
Nos fios de ondas do vento amargo, jamais indiferente.

Eu quero um cigarro para vê-lo passar e passar,
Quero o seu calor na minha pele
À Hora Absurda da saudade!

Deita sobre mim aquela serenidade do seu alvorecer
Na flor primaveril, na chuva do verão!

Leva-me ao teu lado escuro, como à noite ver o sol,
Como ver-te morrer e superá-lo
Vagando na tinta fresca de um livro esquecido!

Oh, Apolo da minha saudade clássica dos banquetes,
Oferta-me teu carrossel à hora de dormir e sonhar
Porque Selene enconde-se na tua luz, em minha sombra
Por vaidade ou resignação!

Leva-me ao horizonte vertical que veem teus olhos,
Guarda-me no teu seio
Para que eu descanse na sua dissimulação
De noite e o veja renascer estupefato e sombrio
Porque Selene me conquistou!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Perguntas, respostas e silêncios

São milhares de perguntas que não foram feitas, que não foram respondidas, que não foram pensadas. Precisamos, entretanto, acostumar-nos com o silêncio de algumas situações em que somos levados a crer que não é possível obter qualquer resposta... Isto sim é angustiante. Mas... o que importa é que podemos perguntar, mesmo sem resposta, pensar, mesmo sem pergunta, inquirir, mesmo sem interlocutor? Não! Isto não é possível. Precisamos, no mínimo, de um interlocutor. Ah, mas às vezes somos nosso próprio interlocutor. Sim! Somos, talvez na maioria das vezes, mas esta é uma questão inferior. Sim, inferior porque exatamente agora eu sou o meu interlocutor, apenas eu me ouço, sem entender-me supostamente! Quem poderia dar a resposta para pergunta que não conseguimos responder para nós mesmos? Deus? Improvável! O que buscamos vai além de Deus? Por que? Porque nós somos deuses, toda as verdades se encontram no cerne do nosso ser, como diria Beauvoir. E nesse cerne está o nada, o silêncio, o vácuo. Mas se tem o vácuo aí, então, não se trata do nada. Onde há o vácuo não há nada! Estranho! Sim, estranhíssimo! Não sei muito bem o que os filósofos têm pensado sobre o nada, não li muita coisa, mas penso que é uma questão capital para a Filosofia. Nada nos ampara, nada funciona, nada dá certo, nada, nada, nada. Então preenchemos o nosso ser com tudo o que o mundo pode nos oferecer: drogas, religião, que é a mesma coisa, sexo, cultura, linguagem, relações. Nos relacionamos com tudo o que nos cerca, extrapolamos os nossos limites através das perguntas sem resposta. Extrapolamos através dos vazios da alma, dos vazios do mundo. A nossa alma? Onde está ela? No cérebro? Talvez, porque no coração é que não está. Quer dizer, não sei, a alma me remete a movimento. A alma de qualquer coisa, parece-me, é o movimento que faz qualquer coisa. Ufa, depois de descobrir que existem elétrons à volta do núcleo dos átomos que se movimentam constantemente, ciclicamente, irresolutamente, descobri que a saída é o movimento. Precisamos movimentar-nos. Na verdade, se consideramos que os átomos sem fim do nosso corpo não param de se movimentar em nenhum lapso de milésimo de segundo, compreendemos que também não paramos. Podemos ao menos tirar uma lição da experiência que parece nos estacionar, que parece embargar nossas vozes...
É como se fosse um grande vão. A frincha da porta, por onde entravam, nos tempos de menino, as assombrações que nossas mães nos ensinaram a temer. A sombra da roupa no varal sempre me assustou. Hoje digo à minha sobrinha não há nada, é só a roupa agitada pelo vento, é um pombo, um cachorro, um gato no telhado. Antes não dormia porque todos os ruídos me atrapalhavam. Hoje não durmo porque o silêncio ensurdece à noite e emudece ao dia. Não tenho mais os ruídos, mas, sim, os silêncios, os vazios, as mentiras. Grito e espero o eco que não reverbera além da minha cabeça, pergunto você ouviu isto? Mas do vão só vem a mentira, a esperança de fuga, de escape. Mas se atravesso, espremido, o espaço entre a porta e o chão, percebo o inferno do vazio que comprime para uma diminuição eterna até que se chegue à fração de nada. O sol está todas as manhãs lá, às vezes mais ao norte, às vezes mais ao sul, às vezes entre nuvens ou entre brumas, mas está lá. Ilumina. Brilha, gira, roda, reflete. Ai se ele não o fizesse, ai se ele não nascesse inexoravelmente. Acostumar-nos-íamos às trevas? Pensava que o silêncio estivesse relacionado às trevas, mas descobri que não. O sol nasce silencioso. A Lua brilha silenciosa. O silêncio talvez esteja relacionado ao estático, ao não-movimento. Tudo grita para que se mexa. Borges disse que alguém disse que uma pedra quer continuar sendo uma pedra, como um tigre quer continuar sendo um tigre, como o homem quer continuar sendo um homem. Em que nos transformaremos além de pó, e de flores ou estrume? Memória indesejável porque provoca dor? Saudade? Não nos tornaremos nada, nem posso dizer que nos tornaremos nada, porque a grande aporia do nada para mim é que como é possível que nada seja nada sendo alguma coisa, então ele é o indefinível como este texto, nada como este texto no tempo que o apagará, lá onde não haverá o movimento nem dos meus olhos que o perscrutará à procura de uma resposta secreta, silenciosa, nas minhas palavras...

terça-feira, 22 de julho de 2008

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A TERRA ESTÁ PARADA E O INFINITO É QUE SE MOVE...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Persignar-se


Sou da maçada sacada calada
Sou dos versos ocultos, sou nada
A boca do beijo estalado
E o toque do corpo silenciado.

Sou fado fadado a morrer emudecido
No toque do corpo não esquecido
Vivido na ideia de haver mundos afins
De haver boca na boca, florins.

De haver "sins" sinos tocados na igreja
Sinestesia dentro da alma que sofre e peja
Talvez eu te veja como qualquer transeunte
Na porta da igreja em ruínas fechada

Na sacada calada acabada arruinada
À beira do ridículo execrado
Sou à beira do mais doce verso ocultado
Sou o pejo e o fado, sou dado

Que gira e não para de vinte faces
Sou amor vendido por dois asses
Sou pardal ferido pelo fundibulário
Sou cristão, não uso escapulário

quinta-feira, 3 de julho de 2008

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Deixemos as respostas para depois. Os vínculos se fazem nas perguntas. Nenhuma resposta nos satisfaz. A igreja, a Academia, a Arte e o resto apenas tentam. Sufocamo-nos com a luz dos out doors e resfolegamos a cada crepúsculo. E cada Aurora anuncia um novo mundo. Você se cala e nós nos entregamos nos olhares e nas fugas. As noites fecharam os olhos e minhas mãos pressionam os meus, à procura da fagulha dos seus. Perco-me nas horas da tua ausência, e quando está, é apenas um sol que ilumina, mas que há oito minutos se perdeu no horizonte. Este é o meu silêncio, nas palavras que nunca serão lidas, nas perguntas que nunca serão feitas, nas respostas que nunca serão dadas. Lembrar-me-ei de você como uma árvore plantada na minha infância, arrancada prematura para lenha. Ou como um rosa alheia que apenas planejei roubar...

domingo, 29 de junho de 2008

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Um cometa pode viajar anos luz sem trombar num resto qualquer de explosão. Entretanto se pudesse contemplaria todas as faíscas ao seu redor em sua extensa viajem. Ouso uma comparação com a vida. Posso viajar “anos luz” sem trombar com a morte, mas o diferente é que posso contemplar todas as faíscas. E por isto tento a todo custo aproximar-me delas, ou seja, busco trombar com a morte. Com a morte não se o que contemplo se trata de outra vida, outra existência consciente. Ela também busca a aproximação. Falo, mas as palavras estão em mim. O que os outros veem ou ouvem disto é apenas uma poeira envelhecida em um móvel destruído pelo cupim. E tudo brilha para ser lembrado. O homem ao descobrir o fogo e a tocha, buscava iluminar o rosto do outro, não o próprio. Talvez buscasse algo semelhante, a fim de anular sua solidão na busca, e via apenas luz. Constante e silenciosa, soberba e envelhecida como o meu desejo de trombar para sentir. Avanço outro ano e as faíscas continuam lá. As estrelas que realmente contemplo nunca se apagarão; estarão acesas ainda que em minha memória no rio vácuo da saudade. Navego nele, como os cometas, nunca aporto, como os navios fantasmas, mas chego em mim. Encontro-me na busca pelo não-eu, e de lá saio solitário como lá entrei. Percebo, não obstante, estupefato e intrigado, que eu preencho o mundo, embora seja vazio. E ele ao mesmo tempo me preenche com o que nele coloco, num fluir mútuo nos ocos silenciosos da minha solidão. Eu viajo em mim. Sabe qual o momento que eu me encontro com o outro? Quando ele se encontra em mim e apenas se ele fizer barulho, não adianta apenas brilhar.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

IDA

Quero escrever a minha história
Com meu sangue, com meu punho
Que eu me zangue neste cunho,
Mas que eu tenha a vitória

E a escória desta medíocre vida
Embaraça ainda mais a minha ida
Alegrias e tristezas desta lida
São pessoas como Tu e como Eu

Tu no silêncio magno teu
Eu no meu lirismo inebriante
Tu, no sorriso inserto
Nos lábios de silêncio marcante

Envolves-me num concerto, conserto
A alma de um triste viajante
Doravante eu aceito a minha lida
Com sangue suor e ferida

E recolho os cacos espalhados pela estrada
Espelhados pelo sangue vertido
Declaro: teu silêncio é tudo e mais nada
E deixo os versos de um triste poetóide ido.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

As Estrelas


O pêndulo do relógio do céu tem apenas duas extremidades no seu repetido movimento zilenar; a extremidade clara e a escura...

Faz quatro dias que começou o inverno e o frio chegou um pouco antes nas sombras do outono. Ainda ao meio-dia sente-se o calor insuportável, mas basta o retiro de um teto de concreto para a gelidez chegar pelas mãos. Elas quase paralisam, mas insistem em escrever, depois de toda a tarde diante do computador; a alma fora supostamente. Mas a noite quase chega pela janela e eu as cumprimento em segredo. Todo o stress das oito horas diárias de trabalho, os seis ônibus, as grosserias do cobrador, o constrangimento resignado com o incômodo que causo a todos com o cheiro do cigarro, dissipam-se ao contemplá-las. Quando descobri a encontrar o Cruzeiro do Sul no céu, foi como um segredo que elas me contaram. Lembro-me da impaciência comigo ao apontarem os braços frenéticos para onde ele deveria estar, mas eu não via, perdia-me na imensidão de sua cintilação. Então um dia eu enxerguei acidentalmente essa cruz no sul da terra, e não do céu; era outono de ipês de aura marrom, como este nesta cidade a céu aberto, e timidamente as nuvens se retiraram por completo, limpando-o para que sua negrura me desolasse. Estive perdido por horas certificando-me que de que se tratava da cruz certa; e tive certeza.
Quando me disseram que as estrelas viviam tantos anos quantos eu não pudesse contar e eram tantas quanto pudesse haver tempo e, apesar disto ou por isto, todos os dias alguma se apagava sem que eu pudesse saber qual era, me desesperei, procurei inutilmente alguma que tivesse a luz esmaecida na intenção de vê-la morrer, para sentir-me mais velho que ela. Não as invejo porque se eu fosse uma delas e tivesse alguma consciência de si, não seria, em seus bilênios de areia, possível contemplá-las como faço. Contemplo-as e aos homens, se brilhasse em um badalar contínuo de patas de grilos, não me importaria com os homens, nem os perceberia. Então não me perceberia, não seria eu sendo uma estrela. Um eu estrela. Não seria porque teria tempo apenas para brilhar e explodir e brilhar e explodir, atravessando os séculos dos séculos até chegar no céu. Embora as vejamos, se tem um lugar onde as estrelas não estão é no céu. Elas estão tão longe que lá já não é céu, mas imensidão e saudade.
Pensei por muito tempo que apenas eu sabia a localização exata da cruz. Desiludi-me quando descobri que, embora os dedos apontassem aparentemente para lugares diferentes, as estrelas eram tão grandes que poderiam estar na reta dos dedos de todas as mãos que quisessem encontrar uma cruz no céu. Desapontei-me profundamente e quis esquecer sua localização. Mas as noites deste inverno de céu claro e desanuviado estampam suas quatro pontas e não há lente para os olhos; apenas o Sol pode ofuscá-las ligeiramente enquanto pende para o Norte o seu curso a fim de veranear ou ocultar outras cruzes.

terça-feira, 24 de junho de 2008

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O pêndulo do relógio do céu tem apenas duas extremidades no seu repetido movimento zilenar; a extremidade clara e a escura...

domingo, 22 de junho de 2008

do mesmo baú...

Fria boca quente


Tua mão, teu coração
Meu sonho, paixão
Tua mão quente
Teu riso frio
Nos olhos rio
Nos lábios sente

O tão demente
Que chora um rio
Do riso frio
Da boca quente

Que ao vento esfria
A poesia
O amor, o rio...

E a boca sente
A boca quente
Tua mão fria

Utopia em construção

Um exercício importante para o escritor, e falo das recomendações de Márquez no prefácio de Doze contos peregrinos, é jogar algumas coisas no lixo. Nunca fiz isto. Por mais que tenha certeza de que algumas produções nunca serão lidas, porque as esconderei para sempre, elas são segredos meus. Rio comigo mesmo de algumas coisas que já escrevi, às vezes o riso desesperador; eu posso saber o quanto sou ruim, para as outras pessoas eu simulo com algumas linhas que me agradam. Quase sempre incorro no erro de pensar que pelo menos dois dos meus amigos (pouquíssimos) vão compartilhar da minha alegria por um verso, e um apenas se interessa por outro. O que estava riscado à caneta no original datilografado. Por um instante penso em desobedecer a recomendação do mestre, e lembro de outro mestre hispano-americano que chama de filhos os escritos. Concordo com Julio Cortázar, e por isso sempre mostro alguma coisa resgatada do fundo do baú, afinal sempre se exibem os filhos, os feios ou não.
Concorri com este poema num prêmio de poesia do Sesc tem uns três ou quatro anos. Só sei que se fui classificado, foi depois do trigésimo. Felizmente para nossa quase "satisfação", um dos meus amigos participantes do concurso ganhou o trigésimo. Com isso teve direito a alguns exemplares da publicação. Que inveja! Por esse motivo este poema não virou cinzas, eles, enquanto escolhíamos os poemas, concordaram que "Utopia em construção" merecia participar do concurso. Essa deve ter sido uma das trinta vezes que três pessoas concordaram sobre um de meus poemas.


Utopia em construção

Sou na noite calada(o) quando quero falar
‘Stou no vazio da noite e quero calar
quero mar e versos confusos, sentimentos difusos
nas brumas, efusões, confusões e parafusos


Brasília, merencório sou teu na madrugada
Deixa-me voar em tua noite alada
Silenciosamente choro, só seu céu me vê
Sonho em teus prédios, minha crê

Minh’alma g(j)ê geme leme a oeste
Trezentos e sessenta graus
Você tão bela, sem mar e sem naus
Sem par no tempo espaço, triste como eu

Seu milagre em cinco anos deu(?)!
Feliz cidade para cinco eternidades
Para me matar você valeu!
E para todos os homens de verdade

Que em tuas cidades sofismam
E em tuas catedrais “carismam”
Nas cátedras abismam abissal
A realidade de ser pobre e ser mau


Ou ser negro, pelego, real
Sou autêntico para ti minha cidade
Você que só me fez o mal
Você que diz ser o Brasil emergente de verdade!


Cala, cidade, cala feliz cidade feliz
Lança meu choro em teu entulho
Lança, ninguém me ouvirá, há barulho
Lança por teu orgulho.


Lanço-me num show na Esplanada dos Ministérios
Quero tua noite, quero teus mistérios
‘Stou aqui, cansado de você
sonho em teus prédios, minha alma crê...
,14 de outubro de 2003
O tempo é uma jaula que diminui progressivamente e nos espreme, nos retalha em ínfimos pedaços de estrelas...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Da origem

É uma prece! Uma longa oração aos poderes mais líquidos da poiesis que abrange tudo o que não se abrangeu. O meu destino é de muito trabalho. Isto não é uma faina, não, é apenas um sussurro, um alento fraco e intermitente que solto antes de acordar. "O grande meio-dia". Ele virá, então dormirei como meu mestre sob a árvore mais frondosa, com os frutos mais suculentos, será meu paraíso. Estarei dormindo supostamente, mas as vistas alcançarão de longe o horizonte de onde venho, olharei para trás, sem nenhum remorso de ter sido grande, verei as aves que retornam para suas casas secretas nas montanhas e compartilharei com elas a alegria de sempre olhar de cima. Isto é este blog!