domingo, 22 de junho de 2008

Utopia em construção

Um exercício importante para o escritor, e falo das recomendações de Márquez no prefácio de Doze contos peregrinos, é jogar algumas coisas no lixo. Nunca fiz isto. Por mais que tenha certeza de que algumas produções nunca serão lidas, porque as esconderei para sempre, elas são segredos meus. Rio comigo mesmo de algumas coisas que já escrevi, às vezes o riso desesperador; eu posso saber o quanto sou ruim, para as outras pessoas eu simulo com algumas linhas que me agradam. Quase sempre incorro no erro de pensar que pelo menos dois dos meus amigos (pouquíssimos) vão compartilhar da minha alegria por um verso, e um apenas se interessa por outro. O que estava riscado à caneta no original datilografado. Por um instante penso em desobedecer a recomendação do mestre, e lembro de outro mestre hispano-americano que chama de filhos os escritos. Concordo com Julio Cortázar, e por isso sempre mostro alguma coisa resgatada do fundo do baú, afinal sempre se exibem os filhos, os feios ou não.
Concorri com este poema num prêmio de poesia do Sesc tem uns três ou quatro anos. Só sei que se fui classificado, foi depois do trigésimo. Felizmente para nossa quase "satisfação", um dos meus amigos participantes do concurso ganhou o trigésimo. Com isso teve direito a alguns exemplares da publicação. Que inveja! Por esse motivo este poema não virou cinzas, eles, enquanto escolhíamos os poemas, concordaram que "Utopia em construção" merecia participar do concurso. Essa deve ter sido uma das trinta vezes que três pessoas concordaram sobre um de meus poemas.


Utopia em construção

Sou na noite calada(o) quando quero falar
‘Stou no vazio da noite e quero calar
quero mar e versos confusos, sentimentos difusos
nas brumas, efusões, confusões e parafusos


Brasília, merencório sou teu na madrugada
Deixa-me voar em tua noite alada
Silenciosamente choro, só seu céu me vê
Sonho em teus prédios, minha crê

Minh’alma g(j)ê geme leme a oeste
Trezentos e sessenta graus
Você tão bela, sem mar e sem naus
Sem par no tempo espaço, triste como eu

Seu milagre em cinco anos deu(?)!
Feliz cidade para cinco eternidades
Para me matar você valeu!
E para todos os homens de verdade

Que em tuas cidades sofismam
E em tuas catedrais “carismam”
Nas cátedras abismam abissal
A realidade de ser pobre e ser mau


Ou ser negro, pelego, real
Sou autêntico para ti minha cidade
Você que só me fez o mal
Você que diz ser o Brasil emergente de verdade!


Cala, cidade, cala feliz cidade feliz
Lança meu choro em teu entulho
Lança, ninguém me ouvirá, há barulho
Lança por teu orgulho.


Lanço-me num show na Esplanada dos Ministérios
Quero tua noite, quero teus mistérios
‘Stou aqui, cansado de você
sonho em teus prédios, minha alma crê...
,14 de outubro de 2003

Um comentário:

Karel Odhara disse...

P.S.: Não devo ter ganhado nem o trigésimo pelo excesso de parêntesis...