quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Viena

Na faca da tua boca eu me morro e me deleito
Como andorinha na vidraça da igreja a lançar-se.
Essa faca aceira, eu a quero em meu peito
A trazer de minhas entranhas os bofes da catarse!

Ah! boca da abelha vem me da' o seu escarro
Sangra em mim a sua noite, pois é dado
Que a ventura do poeta é coberta de piçarro,
E, então, vem da tua boca o beijo forte, apoucado...

Distanciado estou do seu gume, no horizonte
Onde enerva a insonte frágua da saudade!
Vem por isso anavalhar-me esse corpo de acridade
Na verdura dos meus dias, à beira a bela fonte!

Ah, boca fina de dois gumes, de distância e de saudade
Sangra em mim a tua noite, vem amainar esta ansiedade!
Sou verso penumbrado, errante em monte escarpado
Que busca boca de dois gumes a matar sua veleidade...

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

...

Então as vagas silenciosas e noturnas de Viena
Levem-nos no embalar de sinos de suas catedrais,
Nos becos dos seus segredos, nas esquinas do seu esquecimento!

Vejamos o Sol nascer de lá!
A vida a escorrer nas ralos inexistentes
Para o mijo sagrado será nosso sorriso,
A imperfeição a rolar em círculos no céu marrom
Repleto de preces esquecidas...

Risos afogados como o nosso
E de todos os outros dos Becos de Viena.

Lá as águas lavarão nossos pés,
Os prédios condenados esconderão a nossa alma...
Lá, Viena, veremos o entardecer!
E a única saudade será Viena!...

domingo, 19 de outubro de 2008

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A verdade não está no livro senão na traça que o corrói...

...

As minhas preces rolaram no teto marfim-azul do céu
Como Ismália em busca da alma no véu negro-sombra,
Silêncio das anáguas vermelhas da minguante Lua,
Perdidas no mausoléu infinito das crateras do tempo!

Eu estava lá como uma expectativa,
Entre estrelas e grilos, sussurros e desesperos.

Por que gritar para o Infinito se ele engole
Em seus ocos os ecos da Alma,
Sua prece, minha pergunta?

Por que, se o eterno retorno é mais uma religião secreta
De Nietzsche e muitos outros?

Eu sei até onde foi minha pergunta,
Onde o seu eco se dissipou.

Elas eram como lágrimas num rosto
Envelhecido pelo constante suspeitar!

E rolam até hoje em minha caneta...
Procuramos todos a mesma resposta;
A ela lhe damos um nome só nosso, o nosso.

Olho para o Céu e o Sol vem me atrapalhar
Porque me furta do silêncio da noite,
Do seu crispar.

Eu quero o distante, o longe, o outro!
Em mim, como eu nele, numa troca constante...

O outro está tão distante de mim
Como eu das estrelas.

O Sol não me permite olhá-lo por sua proximidade...
Apesar disto, não ouve minha prece
E me acorda todos os dias...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Eu Vi o Sol Nascer e Morrer Porque Amei

O Sol traz todos os dias um rio Heráclito em fogo,
Dissipa chuva, tempestade e mata o mendigo,
Mata o amigo de outrora, queima os versos escondidos.

Ele gira e não para até que sejamos estáticos na íris cega,
No galho seco, no tronco torto.

Tudo para a vê-lo no âmago do átomo,
Na boca do vulcão, na torre sacrílega medieval,
No tom do horizonte às seis, à hora de morrer!

No asfalto corre uma massa, outro rio
De efêmero orvalho na folha preta do XXI,
Nos fios de ondas do vento amargo, jamais indiferente.

Eu quero um cigarro para vê-lo passar e passar,
Quero o seu calor na minha pele
À Hora Absurda da saudade!

Deita sobre mim aquela serenidade do seu alvorecer
Na flor primaveril, na chuva do verão!

Leva-me ao teu lado escuro, como à noite ver o sol,
Como ver-te morrer e superá-lo
Vagando na tinta fresca de um livro esquecido!

Oh, Apolo da minha saudade clássica dos banquetes,
Oferta-me teu carrossel à hora de dormir e sonhar
Porque Selene enconde-se na tua luz, em minha sombra
Por vaidade ou resignação!

Leva-me ao horizonte vertical que veem teus olhos,
Guarda-me no teu seio
Para que eu descanse na sua dissimulação
De noite e o veja renascer estupefato e sombrio
Porque Selene me conquistou!